6.14.2006

Memórias dos Pupilos do Exército


Manuel João Mourato Talhinhas

Este sou eu, visto por fora.
À data em que o Francisco Zambujal nos desenhou os invólucros, ainda éramos uns jovens, mas passados quarenta anos não estamos muito diferentes, um pouco mais de barriga, uns cabelos mais grisalhos, umas rugas na cara, umas papadas nos olhos…

Mas eu agora quero é falar do Talhas o 169, que com um nome daqueles não foi possível de ser alcunhado.

Sobre o Talhas há pouco a dizer, era pouco amigo de estudar, e os professores gostavam tanto dele que duas vezes lhe disseram: pró ano quero-te cá outra vez, quero que continues a ser meu aluno.
Todos os dias, lia o Diário de Lisboa e o Diário Popular e A República. Leu os livros todos da biblioteca, e quando tinha algum tempo disponível, normalmente nas vésperas dos pontos escritos, estudava um bocadinho.
O forte do Talhas era a “cultura geral”.A sua coroa de glória foi nos dois últimos anos ir receber o Prémio das mãos do Almirante Américo Tomás. (O Talhas ainda hoje é muito vaidoso, não é?)
Depois de acabar o curso de Mecânica foi para a tropa como Sargento, foi até Moçambique e quando regressou quis começar nova vida.
Como não conseguiu sair da tropa, (o que daria uma grande história para vos contar), lá teve de ir estudar à noite, com o Murta e o Freitas, e seguir para a A.M. porque ficar em sorja o resto da vida, e a fazer comissões no ultramar, não era vida para ninguém.

Como toda a vida fez sempre o que queria, agora tem a mania que faz um blog, lê uns livros, ouve música, chateia os amigos, chateia a mulher (que já vai perdendo a paciência), ou seja, como toda a vida disse que nasceu para ser reformado, sente-se hoje um homem “plenamente realizado”.
É Coronel Reformado.

3 comentários:

ALG disse...

Isto é que é coragem, apresentar a sua própria caricatura e resumir-se a si próprio, muito bem.
Quanto à sua predilecção pela literatura, tive o prazer de a constatar, há muitos anos, durante uma conversa mantida durante um dos seus serviços de Oficial de dia e um dos meus primeiros, como sargento Aluno, onde falámos sobre gostos pessoais e autores preferidos e se a memória não me falha até lhe emprestei, posteriormente, alguns livros.
quanto à preguiça para estudar, como eu o compreendo, assim como a preferência pela "cultura geral"
Eu acrescento a referência a um grande respeito pelos outros e a gentileza nas relações pessoais.
Só tem mesmo um grande defeito (a "devoção" benfiquista) mas ainda vai a tempo!
Um abraço.

MouTal disse...

Meu caro Lisboa Gonçalves
O meu amigo também pertence ao grupo. O seu pai muitas vezes se queixou porque o meu amigo queria era ler, mas estudar não queria.
Eu sempre lhe dizia; deixe estar que quando ele for adulto logo estudará.
E não errei.
Agora é preciso é começar a advogar.
Tenho a certeza que o seu pai tem muito orgulho em si.
Um abraço.

Anónimo disse...

Parabéns pela autobiografia.Apenas peca por defeito,não revela uma característica muito peculiar relacionada com a coragem de "mandar bocas" às pessoas próprias e a capacidade de o fazer de uma forma irónica, por vezes sarcástica, mas sempre justa.
Naqueles tempos foram vários os alvos mas de entre eles tinha a primazia uma figura escura,que rodeada de gente s/class, agredia o ambiente solidário que o Talhas e outros amigos procuravam manter vivo e limpo.
Procurando ilustrar esta faceta vou lembrar um episódio passado com uma personagem menos importante no meio, mas relevante devido à responsabilidade pelo produto final que com maior ou menor agrado dos comensais aparecia nas travessas de alumínio colocadas nas mesas do refeitório pelos incansáveis subordinados do Mestre Cuco.
Num entardecer de Verão, a seguir ao jantar, depois de fumar calmamente o seu cigarro o Talhas abriu a janela da sala de estudo e quando se preparava para renovar o ar dos pulmões reparou que, junto ao muro, do outro lado do jardim, passava o Matanço que, nos últmos tempos tinha apresentado nas ementas, com demasiada frequência, um produto confeccionado à base de batata (que o nosso amigo não apreciava por aí além),visão que lhe despertou uma vontade de fazer justiça ,e para que não restassem dúvidas gritou:"Matanço, malandro, hás-de morrer afogado em puré!" e fechou a janela com a sensação do dever cumprido.
Um abraço.