Não resisto a Transcrever esta crónica de JOÃO CARREIRA BOM publicada em 30Ago97 na Revista do Expresso.
O CONVICTO
Queixa-se o Prof. Cavaco de que já não há convicções, enquanto, um discurso aqui, uma entrevista ali, cria o nevoeiro propício a que politicamente o desejem.
È um D. Sebastião por conta própria. Não teve a sorte de se assumir numa batalha perdida, e assim falece a outros a oportunidade de reinventarem, por ele, o mito do regresso.
Nunca o prof. Cavaco pensou ser tão difícil, não digo montar, mas encontrar um cavalo branco. Nem a eficiência do fiel Fernando Lima nem mesmo a dele têm sido bastantes. Tarefa inglória!
Procurar um equídeo sem nódoa numa terra onde os cavalos se tornam cor- de- burro-quando-foge! Daí, o desabafo: já não há convicções. Sujas umas, desbotadas outras, as cores confundiram-se. Deixaram de convencer. Após dez anos de pragmatismo governativo, o prof. Cavaco descobriu o desconsolo da ausência de crenças ideológicas. A política dele foi sempre o trabalho, a fé em si próprio, o autoconvencimento.
Nenhumas dúvidas e raros enganos, ou seja, só raramente traiu a convicção nele mesmo. Eis a ideologia que o guindou ao Governo e pela qual governou: o prejuízo da dúvida, o benefício da fé de cada um no seu próprio êxito. Não era a divisa de um por todos, todos por um. Era o lema do um por um, um por um. Se cada um se governasse, governada estaria a sociedade, convertida na soma de «sucessos» individuais.
O prof. Cavaco não inventou, é certo, o individualismo nem a ideologia do «sucesso». Foi, contudo, o primeiro político português a tornar milhões de eleitores convictos de que, para ter frigorífico e outros luxos, já não precisariam de emigrar. Jamais lhes pregou, na terra, o céu. Fez pior: prometeu-lhes o céu na terra, desde que fossem pragmáticos. Convenceu-os a despir a roupagem das convicções «inúteis», mas não os pôde convencer a suportarem , nas auto-estradas para o oásis, mais algum tempo de purgatório. E, antes que o despedissem, esvaneceu-se no Alcácer-Quibir de umas presidenciais sem fé. Ignaro se é desta falta de convicções que se queixa agora. Ou se, olhos postos no êxito financeiro que ofereceu involuntariamente ao eng. Guterres, o prof. Cavaco, quando o critica, não sente que se está a atingir a si mesmo. No Portugal da crença no êxito a todo o custo, em que os autarcas trocam de partido de eleição para eleição, só com nevoeiro muito denso se poderá acreditar, de novo, no regresso de «O Desejado». Talvez possa acontecer no PSD- se, por circunstâncias não previsíveis, os resultados das autárquicas forem servidos ao prof. Marcelo, imagine-se, numa bandeja de névoa.
12.22.2005
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