Memórias dos Pupilos do Exército

JOSÉ CASTELO CAETANO

Mais conhecido pelo “Cara Alegre” era o 160.

Deve a sua alcunha ao ar de permanente boa disposição.

Alentejano de Castelo de Vide, cedo ficou sem o pai, e a mãe para fazer dele um homem, e porque o dinheiro era pouco e a vida muito difícil, mandou-o pró Pilão que era casa com fama e proveito de criar gente útil e boa.
Em Outubro de1957, parece ainda que foi ontem, sentou-se à minha frente na mesa do almoço com um ar muito enfiado, de puto que nunca tinha visto tanta gente junta.
Só no Pilão fomos do mesmo curso oito anos, mais quatro na Academia, mais o Curso de Capitães e o de Oficial Superior, foram catorze anos na mesma sala de aulas e no mesmo curso. O mesmo aconteceu com o Freitas, de que amanhã falarei.
É quase uma vida.

O Caetano é daquelas pessoas com quem ninguém se dá mal e com quem todos gostam de trabalhar, foi um oficial brilhante quer na vertente técnica e militar, mas principalmente na vertente humana e intelectual.

A malta do meu curso era todo “Cigarra” as “Formigas” foram para “Máquinas”.
Quer isto dizer, que estudar não era connosco, a malta lia, jogava basquete, discutia de tudo e arranjava soluções para todos os males do mundo, mas pensava pouco no futuro.

Depois de sairmos do Pilão assentámos praça em Sacavém como Sargentos do Serviço de Material e até para Moçambique fomos no mesmo barco.
Regressados ao rectângulo, foi tempo de pensar o futuro, e ficar na tropa nunca esteve nos nossos planos.
Reunimos os quatro, Murta, Talhas, Caetano e Freitas e foram feitos requerimentos, exposições, metidas cunhas para sair da tropa, mas no fim desta luta fomos vencidos pelo “sistema” e contratados vitaliciamente como sargentos do Quadro Permanente. Dec. Lei 371/70.

Só havia três saídas; aceitar a situação e marchar novamente pró Ultramar passados dez meses do desembarque, concorrer à A.M. ou desertar.
Três de nós optaram pela segunda hipótese e o Caetano pela terceira.
Os três primeiros passaram prás “formigas” e o meu amigo Caetano continuou “cigarra”.
Fomos estudar à noite e o amigo Caetano a tocar viola, ainda nos gozava e se ria dos nossos planos.
Um belo dia, aparece-nos muito chateado e sem o seu sorriso característico. Tinham-lhe falhado os planos e os contactos, só lhe restava uma alternativa, ir fazer os exames do terceiro ciclo sem nunca tinha ido às aulas nem estudado nada.
Lá fomos passadas umas semanas fazer os exames ao Colégio Militar e escusado será dizer, o nosso amigo Caetano foi um desastre total, só apanhou negas.

O cagaço foi tanto que o Caetano resolveu estudar.
Aconteceu a transformação, a “cigarra” virou “formiga”.
E agora pasmem e acreditem porque é verdade, conseguiu em dois meses e sem a ajuda de ninguém, estudar, preparar-se e passar nos exames todos do sétimo ano.
Entrou para a A.M. e foi sempre dos melhores alunos, dispensou de todos os exames nos três anos do curso de Artilharia, obteve sempre as melhores classificações em todos os cursos que frequentou ao longo da carreira.

Agora que já está a gozar dos rendimentos dedica-se a arrumar e catalogar os papeis que foi coleccionando ao longo da vida.
Só é pena é que a idade deite para fora da carroça pessoas como o Caetano que ainda tinham tanto para dar e ensinar.
O nosso Exército e o nosso país são um verdadeiro exemplo da péssima gestão e desperdício de cabeças pensantes.